Em Abril do ano em curso, os Estados Unidos anunciaram um pacote agressivo de tarifas sobre importações provenientes de diversos países, incluindo Angola.
Embora o petróleo bruto — principal produto de exportação nacional — esteja isento, Angola foi alvo de uma tarifa de 32%, no âmbito de uma política de “reciprocidade tarifária”. Esta decisão marca uma nova fase no comércio global e expõe a economia angolana a riscos externos relevantes.
Apesar de o impacto directo ser limitado — tendo em conta que o petróleo bruto está excluído das tarifas e que as importações angolanas dos EUA se concentram sobretudo em frango, sujeito a taxas reduzidas — os efeitos indirectos são profundamente disruptivos:
Queda do preço do Brent: O anúncio das tarifas reduziu o preço do barril para cerca de USD 63, abaixo dos USD 70 previstos no OGE, gerando perdas mensais superiores a USD 200 milhões em exportações e mais de USD 100 milhões em receitas fiscais petrolíferas.
Pressão sobre o OGE 2025: Dado que cerca de 60% das receitas fiscais do país têm origem no petróleo, esta quebra ameaça compromissos orçamentais e poderá obrigar o Executivo a recorrer a financiamento externo adicional ou a reajustar despesas.
Com a redução das receitas petrolíferas, a oferta de divisas caiu 5% no primeiro trimestre de 2025, enquanto os pedidos pendentes de compra de moeda estrangeira continuam elevados (USD 600–800 milhões).
Este desequilíbrio acentua a pressão sobre o mercado cambial, eleva o risco de depreciação do Kwanza e amplia o diferencial entre o câmbio oficial e o paralelo (18–23%).
A percepção de risco agravada levou ainda a um disparo das yields das Eurobonds angolanas, que passaram de 11,28% para 14,32%, comprometendo o acesso a financiamento internacional.
Esse cenário afecta directamente os bancos nacionais, que dependem desse canal para reforçar a liquidez e sustentar operações de trade finance e crédito estruturado.
Apesar de medidas como o abrandamento da Luibor e a redução das reservas obrigatórias pelo BNA, o crédito ao sector privado registou uma contracção real de 1,2%, com particular incidência negativa nos sectores do comércio e da agricultura. Tal reflecte a postura mais conservadora dos bancos num ambiente externo mais instável.
Inspirações Asiáticas: Lições de um Sistema Bancário em Adaptação
Um recente webinar do Financial Times, sobre o papel da Ásia no sistema financeiro global após a imposição das tarifas dos EUA, oferece referências úteis ao sector bancário angolano. Eis algumas das estratégias discutidas:
Redirecionamento dos fluxos comerciais: Bancos como o HSBC estão a apostar em corredores intra-regionais, como China-Golfo (Arábia Saudita, EAU), para contornar as barreiras tarifárias. Angola poderia desenvolver expertise semelhante nos eixos África-Ásia e África-Oriente Médio, diversificando os seus parceiros de comércio e financiamento.
Transformação digital acelerada: O ex-CEO do DBS (Singapura) previu que cerca de 10% dos empregos bancários poderão ser substituídos por IA. Para Angola, esta tendência representa uma oportunidade de salto tecnológico (leapfrogging), através da adopção de soluções como ferramentas de hedge cambial baseadas em IA e plataformas de consultoria digital para clientes expostos à volatilidade dos mercados.
Evolução na gestão de património: Hong Kong poderá ultrapassar a Suíça como principal centro de booking offshore, impulsionado por uma geração de clientes mais jovem e digital.
Os bancos angolanos devem adaptar as suas ofertas para responder às exigências de uma classe média-alta em crescimento, investindo em robo-advisory e canais digitais de relacionamento.
Potencial nos recursos naturais além do petróleo: A Indonésia destacou-se como exemplo de diversificação na exportação de commodities e recursos naturais, incluindo terras raras. Angola, com reservas relevantes em diamantes, ferro e ouro, pode seguir caminho semelhante, com os bancos a assumirem um papel activo no financiamento da diversificação da base exportadora nacional.
Consolidação bancária como resposta à instabilidade: O webinar referiu exemplos de fusões entre bancos menores na China e no Japão como forma de reforçar a resiliência do sistema. Esse modelo poderia ser considerado em Angola, criando instituições mais robustas e com maior capacidade de enfrentar choques externos.
Perspectivas e Medidas Mitigadoras
Face a este cenário desafiante, o sector bancário angolano deverá acelerar a sua adaptação para preservar os ganhos de estabilidade conquistados nos últimos anos. Entre as medidas prioritárias destacam-se:
Diversificação das fontes de receita bancária, explorando áreas como crédito agrícola, seguros e financiamento à exportação.
Investimento em tecnologia bancária, com foco em soluções baseadas em IA e plataformas móveis, para reduzir custos operacionais e mitigar riscos de liquidez.
Gestão prudente da liquidez, reforçando mecanismos de planeamento e reservas, com enfoque na gestão de riscos cambiais e financeiros.
Sofisticação do mercado de capitais local, reduzindo a dependência de financiamento externo. A recente OPV de 30% da Bodiva é um passo importante nessa direcção, podendo atrair investidores institucionais e fomentar maior profundidade no mercado financeiro doméstico.
Desenvolvimento de competências para financiamento sustentável e ESG, alinhando-se às novas exigências dos mercados internacionais e captando recursos voltados para setores como energia renovável, agricultura sustentável e mineração responsável.
Mais do que um episódio de política comercial, as novas tarifas dos EUA devem ser vistas como um alerta estratégico. Servem de catalisador para uma reflexão profunda sobre os modelos de crescimento e financiamento da economia angolana. O sector bancário terá um papel determinante nesta transformação — e a sua resposta deverá assentar em inovação, solidez institucional e visão estratégica.